sábado, 11 de outubro de 2008

Deus, o Diabo e a Meretriz

Ele não explica o porquê de ter escolhido aquela jovem de vida modesta, submersa num universo pequeno, perdida no interior de um bairro quase rural em Caxias chamado Jardim Primavera. Seus desígnios são secretos, mas nunca misteriosos. Muitos sabem que ele gosta de polir o fosco; dar brilho ao que se apagou; aprecia, com intenção sádica, conceder audácia aos fracos.

A rotina de Marcela não reservava as surpresas que preenchem o espírito inquieto de qualquer garota de vinte anos. Cuidava da filha, que há pouco completara um ano; adulava o marido, um nordestino tacanho que se realizava como pedreiro e dedicava-se a agradá-la, um homem bom e apaixonado; sua casa era humilde, mas arrumada num capricho aconchegante.

Aos domingos, ela e o marido, como bons Evangélicos, freqüentavam o Culto de uma Igreja da região e prestigiavam as preleções do Pastor que os casara.

Nada fora do lugar, nenhuma desordem, mas ele se faz presente pelo pressentimento ou por aquela porta aberta da alma humana que é a irresistível vontade de experimentar.

Agarrava-se na fé e nas palavras do Religioso para tentar conter as fantasias, os delírios que incendiavam sua mente e levavam febre ao seu corpo. Era uma Potranca indomada, presa por um cercado rasteiro... Queria saltar, conhecer o mundo, descobrir prazeres, tocar outros homens, sentir mulheres. Guardava em silêncio a parte inconfessável do seu ser, represava o ácido que a corroía.

A maçã que exila a pureza do Paraíso não é uma fruta, mas um convite, o Demônio é um Mestre-de-cerimônias.

Numa tarde preguiçosa, quando ela folheava um jornal qualquer, ele a ajudou a encontrar a saída do seu claustro particular apontando um anúncio dos Classificados.

“Procuramos moças de boa aparência, entre 20 e 25 anos, para atender Executivos de alto nível como acompanhantes de fino trato. Ganhos elevados. Realize seus sonhos, venha nos procurar! Ligue para XXXX-XXXX, fale com Vera.”

Com o telefone na mão e a voz trêmula, marcou uma entrevista em Copacabana para o dia seguinte. Ainda não entendia o que fazia fazendo, apenas fazia, como quem foge por uma estrada que aparenta levar a algum lugar.

Inventou uma desculpa para o esposo, deixou a neném com a cunhada, encheu-se de coragem e foi buscar o seu destino.

Vera a recebeu com um sorriso largo, desses que transmitem confiança. Observou que, sob a aparência bruta e maltratada, soterrada pelo desleixo da pobreza, habitava uma mulher belíssima e que poderia gerar muito lucro. Apesar de simplória, Marcela possuía um jeito doce, era inteligente, conversava de forma articulada e mostrava-se hábil no raciocínio, tudo isso encantou a Cafetina que enxergava ao longe o potencial de uma fêmea.

Não foi necessário muito esforço para aliciar a moça, em quinze minutos ela foi convencida a “mudar de vida”, “conhecer homens ricos e influentes”. Como prêmio, levou um adiantamento para realçar seus traços num Salão da Zona Sul.

Ingênua, Marcela explicou suas limitações por causa do marido e da filha. Vera a aconselhou a dar um tempo de tudo, sair de casa e se empenhar exclusivamente ao trabalho, o novo horizonte traria prosperidade para ela e para a família. Ofereceu o próprio apartamento para que ela ficasse hospedada até se ajeitar.

“Nada se conquista sem uma dose de sacrifício, minha menina!” – Repetia sentenciosa a Cafetina.

Marcela concordou, sem saber ao certo como faria para se desvencilhar de suas raízes...

No dia seguinte, um domingo, ela assistiu o último Culto ao lado do esposo e de sua frágil cria. O Pastor citou em seu discurso o Pecado Original, falou sobre a culpa e o arrependimento. Marcela chorou, não pela tristeza do que planejava cometer, mas pelo alívio de quem toma uma decisão.

À noite, na mesa da cozinha, escreveu a carta que seria o seu adeus: “Querido, preciso respirar, preciso ver o mundo. Você não tem culpa, sou eu que carrego o mal. Cuide de nossa filha, não me procure, pois irá encontrar a dor se me buscar. Voltarei quando aliviar meu coração.”

Estas três linhas foram temperadas com um olhar de quem supunha que seria atormentada pela saudade. Beijou a filha, despediu-se de cada objeto, atravessou a porta e se foi...

Ele, que havia a escolhido entre tantas candidatas, continuava acompanhando com interesse o seu progresso e mantinha-se atento para que ela não se desviasse do propósito.

Acomodou-se num dos quartos do apartamento de Vera e amanheceu sua nova rotina num Cabeleireiro disputado de Ipanema. Depois de xampus, hidratações, manicures e maquiagens, foi como se tivessem desenterrado sua graciosidade, ela reluzia como uma porcelana cara e delicada. Pelo espelho não se reconheceu e isso a ajudaria a ser outra mulher.

Seus olhos embaçaram-se de lágrimas, mas ela sorriu um sorriso discreto, de quem sente uma felicidade tão íntima e intensa que prefere ocultar dos outros.

Vera testemunhou a reconstrução e teve certeza que o ouro iria jorrar, decretou que ela não se chamaria mais Marcela, seu nome, a partir dali, seria Eva.

Seu primeiro cliente foi um tipo com uns setenta anos, um Oficial reformado da Marinha. Ela não se intimidou diante daquele Senhor que poderia ser seu avô. Ao primeiro toque das mãos estranhas e enrugadas, sua pele se arrepiou num choque que percorreu todos os seus membros, sua vagina ansiosa e encharcada emanava o calor das suas entranhas. Ela gozou como nunca, desfaleceu diante da vibração implosiva do orgasmo, pela primeira vez conheceu o agora, viveu o momento.

Recebeu um maço de notas que poderia alimentar sua família durante um mês completo. Descobriu que sentir prazeres era melhor do que imaginou e que vender o sexo poderia realmente realizar quase todos os seus sonhos. Surpreendeu-se!

Vieram outros homens, também conheceu mulheres, provou do mesmo sexo, não se cansava dos deleites. Vera inchava os bolsos com sua pupila, mas foi abandonada, pois ele queria que Eva seguisse sozinha neste caminho.

Então, Eva deu independência ao seu trabalho, não dividiria seu dinheiro com mais ninguém, assumiu aquilo em que se transformou, era a outra.

Em menos de um ano, desde que se abandonou como Marcela, ganhou fama através dos que a conheceram, passou a figurar no topo dos Sites de sexo, tornou-se uma das mulheres mais bem comentadas nos Fóruns virtuais que resenhavam sobre prostitutas e compôs uma lista de clientes célebres.

Subjugou homens, despertou amor em mulheres, enriqueceu pela sua libido e sensualidade. Considerava-se uma vencedora, tornou-se forte! A vaidade era o seu motor de empuxo.

Numa tarde indolente, diante de um espelho de Motel, sua memória piscou como um relâmpago: o marido, o lar na Baixada, as pregações do Pastor... Lembranças distantes de uma existência falecida e pela qual ela não sentia nada, nem sequer nostalgia. Havia a filha, pretendia revê-la; talvez, um dia, tentasse tê-la para si.

Suas novas crenças a liberavam da culpa, libertaram-na da própria consciência. Ela agora tinha sua religião e só se arrependia dos pecados que não tinha cometido. Ele celebrava o sucesso que alcançou com sua protegida.

Voltou a concentrar-se na sua imagem refletida no espelho, sentiu-se linda e orgulhosa de sua beleza.

Algo interrompe seus pensamentos, um homem a abraça, beija sua nuca e um arrepio a percorre. Diz que a deseja para sempre, promete largar a esposa e as filhas para viver a paixão, quer fazê-la Rainha de tudo o que possui. Ela responde com um sorriso insinuado, de quem sente um Poder tão íntimo e vigoroso que prefere que não seja revelado...

Deus converte, mas o Diabo seduz!...

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